Há 525 anos o Brasil era "descoberto" por um espanhol - O problema da palavra.
No dia 26 de janeiro de 1500 o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón daria a primeira entrada da invasão europeia ao território que hoje conhecemos como Brasil, mas que a comunidade local chamaria de Abya Yala. Veja como o termo interfere na própria noção de identidade do povo brasileiro.
Rafaela Castro
2/2/20253 min read


A visita de europeus ao território que hoje conhecemos como Brasil antecede a narrativa amplamente difundida do “descobrimento” por Pedro Álvares Cabral. Segundo documentos históricos, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón chegou ao litoral brasileiro, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, no dia 26 de janeiro de 1500. Esse marco, considerado a viagem mais antiga comprovada ao território brasileiro, evidencia que a costa sul-americana já começava a ser explorada antes mesmo da chegada oficial dos portugueses.
Entretanto, Pinzón, apesar de documentar sua jornada – com registros feitos por cronistas como Pietro Martire d'Anghiera e Bartolomeu de las Casas –, não reivindicou a posse das terras para a Espanha. O motivo? O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, que garantia aquelas terras à Coroa Portuguesa. Com isso, coube a Portugal não apenas registrar a chegada oficial ao território, mas também dar início ao processo de ocupação, exploração e colonização.
O problema do termo "descobrimento"
É inegável que, quanto mais o tempo passa, mais as gerações atuais renunciam ao uso de termos que apagam nosso passado histórico e passam a nos colocar como principais protagonistas da história do nosso país.
As palavras enraizadas no dia a dia do brasileiro possuem muito mais que apenas um significado. Para o linguista Ferdinand de Saussure, as palavras fazem parte de um sistema de significados construído culturalmente. Segundo ele, o significado das palavras não é algo intrínseco a elas, mas sim o resultado de um sistema de relações entre palavras, dentro de uma linguagem compartilhada pelos falantes de uma comunidade.
Termos como "descobrimento" enviesam as narrativas que aqui estavam presentes e apagam parte das nossas raízes históricas. Muito do que não sabemos sobre nosso passado distante está relacionado à ideia de que, ao ser "descoberto", o Brasil não possuía identidade, cultura e organizações próprias, como se as coisas simplesmente tivessem sido "zeradas" da noite para o dia, iniciando-se apenas a partir da história do homem branco em terras ameríndias.
Ao renunciar ao nosso passado histórico, renunciamos a parte da nossa identidade. Passado, presente e futuro, ao contrário do que muitos pensam, estão totalmente interligados e de forma atemporal. Embora o passado não possa mais ser alterado, no presente temos o poder da ação e da escolha para fazer diferente, gerando impacto nas gerações futuras.
A passagem de Vicente Yáñez Pinzón marcou uma nova fase da história do nosso país, mas isso não significa que ela já não existisse. Temos alguns autores que nos fornecem maiores informações acerca do tema. É nesse sentido que Juliana Alves decide ir até o município de Cachoeira do Arari, na Ilha de Marajó, para a produção do artigo "Reflexões sobre a noção de pessoa nas narrativas míticas do Alto Rio Negro: a experiência dos Tukano Búbera Põra". Além de discorrer sobre a noção de identidade por meio da cosmovisão dos Tukano Búbera Põra, a então estudante do curso de Ciências Sociais da FFLCH também viveu uma imersão na cultura local marajoara — que conta com o maior nível de complexidade social na pré-história brasileira registrada. Saiba mais em Museu Nacional/UFRJ.
Outra leitura indispensável sobre a noção de identidade é a obra "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro, um clássico da antropologia brasileira. Nessa obra, Darcy se dedica a compreender quem somos, explorando a construção e a importância da nossa história. Ele aborda temas essenciais, como a desigualdade social e o complexo processo de formação da identidade do povo brasileiro.
Referências
BIBLIOTECA NACIONAL. Cabral chega ao Brasil: descobrimento ou achamento? Disponível em: https://antigo.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/04/cabral-chega-ao-brasil-descobrimento-ou-achamento#:~:text=A%20visita%20dos%20europeus%20%C3%A0s,viagem%20comprovada%20ao%20territ%C3%B3rio%20brasileiro. Acesso em: 26 jan. 2025.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 32ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2010.
FRADE, Juliana Alves. Reflexões sobre a noção de pessoa nas narrativas míticas do Alto Rio Negro: a experiência dos Tukano Búbera Põra. Mundo Amazónico, v. 14, n. 1, p. 11-32, jan. 2023. DOI: 10.15446/ma.v14n1.99408.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2022.


Rafaela Castro
Graduanda do curso de Letras - Português e Francês pela Universidade de São Paulo e editora colunista do Olha Lá.
Atualmente pesquisadora e interessada pelos estudos de Literatura de Expressão Francesa e ênfase em línguagens.
Caso alguém tenha interesse no livro do Darcy